“O profeta, comovendo-se, disse:
– Não me chames sábio, a menos que chames sábio a todos os homens. Somos apenas folhas verdes da árvore da vida que um dia o vento levará, e a vida está muito acima da sabedoria e da ignorância. Ninguém é sábio ou ignorante.
E retomando o caminho, com os seus discípulos e o pequeno grupo de seguidores, entrou na rua que conduzia ao seu jardim, que fora o jardim de sua mãe e seu pai e onde dormiam o sono eterno os seus antepassados. E alguns queriam segui-lo para lhe prepararem um banquete de boas vindas, segundo o costume da terra, mas ele pediu que o deixassem só porque o seu pão era o pão da saudade, e o seu copo transbordava de vinho da lembrança, que desejava beber só.
E o profeta chegando ao jardim dos seus pais, entrou nele, e fechou o portão, para que ninguém o seguisse. E durante quarenta dias e quarenta noites viveu sozinho naquela casa e naquele jardim e ninguém se aproximou daquele portão, que permanecia fechado, e todos sabiam que pretendia estar só. Ao fim dos quarenta dias e quarenta noites, ele abriu o portão para que pudessem ir vê-lo.
E vieram alguns dos seus discípulos que se sentaram em volta dele. E no pequeno largo defronte, juntou-se uma grande multidão: Adultos, velhos, robustos e enfermos, de rosto curtido pelo vento e pelo sol. Um deles falou e disse:
– Mestre, os nossos corações estão amargurados e não sabemos porquê. Suplicamos-te que nos consoles e que abras o nosso coração e mentes ao significado das nossas penas.
E o profeta, olhando as colinas e o céu azul, suspirou e disse:
– Amigos, compadecei-vos da terra que está cheia de crenças e vazia de religião. Compadecei-vos da terra que veste o que não tece, come o pão que não cultiva e bebe o vinho que não corre dos seus lagares. Compadecei-vos da terra que aclama os fanfarrões como heróis e cujos sábios morreram com o passar dos anos. Compadecei-vos hora pela terra onde o ventre das mulheres secou e que já não ouve os risos e as brincadeiras das crianças nas suas ruas e praças. Compadecei-vos da terra que só grita quando caminha num funeral, que apenas se orgulha das suas ruínas, que nem se revolta quando a votam ao desprezo. Compadecei-vos da terra cujas autoridades gastam o que não têm em obras megalómanas, cujos filósofos são ogres prestidigitadores, e cuja política é uma arte de remendos e efabulações. Eis, pois aqui resumidamente, o significado das vossas penas: Sois um bando espectros; um bando de inúteis, isto é o que vós sois! De que vos queixais, portanto?
Nisto, fez-se um longo silêncio, interrompido por um gradual clamor que se levantou na multidão. Um dos tais ogres avançou com uma pedra na mão, à cabeça de toda aquela gente, e vociferou:
– Quem te julgas para nos vires dar aqui lições de moral? Só porque foste por esse mundo, vistes coisas, és melhor que nós, que ficámos? Não precisamos cá de ti para nada! – e fazendo o gesto de arremessar a pedra – Volta por onde vieste!
Então, o profeta acendeu calmamente o cachimbo, levantou-se, ajeitou a boina, passando calmamente entre a multidão. E secundado pelos seus discípulos, parando à saída da sua povoação, apoiado no bordão, voltando-se para contemplar uma última vez a silhueta do velho castelo e daqueles montes em redor, falou aos seus discípulos, dizendo:
– Quem nunca foi vítima da mordedura das serpentes e nunca sentiu as ferroadas dos lobos?
E, sacudindo a poeira das sandálias, no que foi imitado por todos eles, fez-se novamente ao caminho.
«Arroz com Todos», opinião de João Valente
– Não me chames sábio, a menos que chames sábio a todos os homens. Somos apenas folhas verdes da árvore da vida que um dia o vento levará, e a vida está muito acima da sabedoria e da ignorância. Ninguém é sábio ou ignorante.
E retomando o caminho, com os seus discípulos e o pequeno grupo de seguidores, entrou na rua que conduzia ao seu jardim, que fora o jardim de sua mãe e seu pai e onde dormiam o sono eterno os seus antepassados. E alguns queriam segui-lo para lhe prepararem um banquete de boas vindas, segundo o costume da terra, mas ele pediu que o deixassem só porque o seu pão era o pão da saudade, e o seu copo transbordava de vinho da lembrança, que desejava beber só.
E o profeta chegando ao jardim dos seus pais, entrou nele, e fechou o portão, para que ninguém o seguisse. E durante quarenta dias e quarenta noites viveu sozinho naquela casa e naquele jardim e ninguém se aproximou daquele portão, que permanecia fechado, e todos sabiam que pretendia estar só. Ao fim dos quarenta dias e quarenta noites, ele abriu o portão para que pudessem ir vê-lo.
E vieram alguns dos seus discípulos que se sentaram em volta dele. E no pequeno largo defronte, juntou-se uma grande multidão: Adultos, velhos, robustos e enfermos, de rosto curtido pelo vento e pelo sol. Um deles falou e disse:
– Mestre, os nossos corações estão amargurados e não sabemos porquê. Suplicamos-te que nos consoles e que abras o nosso coração e mentes ao significado das nossas penas.
E o profeta, olhando as colinas e o céu azul, suspirou e disse:
– Amigos, compadecei-vos da terra que está cheia de crenças e vazia de religião. Compadecei-vos da terra que veste o que não tece, come o pão que não cultiva e bebe o vinho que não corre dos seus lagares. Compadecei-vos da terra que aclama os fanfarrões como heróis e cujos sábios morreram com o passar dos anos. Compadecei-vos hora pela terra onde o ventre das mulheres secou e que já não ouve os risos e as brincadeiras das crianças nas suas ruas e praças. Compadecei-vos da terra que só grita quando caminha num funeral, que apenas se orgulha das suas ruínas, que nem se revolta quando a votam ao desprezo. Compadecei-vos da terra cujas autoridades gastam o que não têm em obras megalómanas, cujos filósofos são ogres prestidigitadores, e cuja política é uma arte de remendos e efabulações. Eis, pois aqui resumidamente, o significado das vossas penas: Sois um bando espectros; um bando de inúteis, isto é o que vós sois! De que vos queixais, portanto?
Nisto, fez-se um longo silêncio, interrompido por um gradual clamor que se levantou na multidão. Um dos tais ogres avançou com uma pedra na mão, à cabeça de toda aquela gente, e vociferou:
– Quem te julgas para nos vires dar aqui lições de moral? Só porque foste por esse mundo, vistes coisas, és melhor que nós, que ficámos? Não precisamos cá de ti para nada! – e fazendo o gesto de arremessar a pedra – Volta por onde vieste!
Então, o profeta acendeu calmamente o cachimbo, levantou-se, ajeitou a boina, passando calmamente entre a multidão. E secundado pelos seus discípulos, parando à saída da sua povoação, apoiado no bordão, voltando-se para contemplar uma última vez a silhueta do velho castelo e daqueles montes em redor, falou aos seus discípulos, dizendo:
– Quem nunca foi vítima da mordedura das serpentes e nunca sentiu as ferroadas dos lobos?
E, sacudindo a poeira das sandálias, no que foi imitado por todos eles, fez-se novamente ao caminho.
«Arroz com Todos», opinião de João Valente
Texto completo aqui: http://capeiaarraiana.wordpress.com/2010/06/30/o-profeta-e-o-ogre/
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